Lixomania


O que Bolaños levou consigo.
novembro 29, 2014, 10:45 am
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 Quando morre algum ídolo de longa data eu me faço aquela mesma pergunta que todos aqui se fazem de vez em quando em tom de brincadeira: já imaginou a comoção do dia em que o Silvio Santos morrer? A minha geração se choca sempre por estarmos falando de pessoas e coisas que estão aí que encheram nossas cabeças de uma maneira massiva e ocuparam um espaço muito grande desde praticamente o nosso nascimento. Você pode até não gostar do seriado, mas você ao menos tentou assistir Chaves e Chapolim em algum momento, você entende as piadas e referências a estes seriados porque ao menos outras pessoas fizeram isto na sua orelha sem parar ao longo de diversos anos e passou a conviver com esta referência. Faz parte da cultura de todos nós que temos pouco mais ou muito menos que 30 anos de idade. Faltando bons exemplos aqui porque minha memória sempre me trai, mas sei que nós vimos uma quantidade nada pequena de artistas, autores e, eu iria mais longe, políticos e figuras públicas (não fazem parte da nossa cultura e formação também?) assim morrerem ao longo dos anos (mesmo a gente andando por este planeta a relativamente pouco tempo).

Mas existe uma coisinha só que eu vejo na morte do Bolaños que eu talvez eu ache novidade.

Já que eu falei no Silvio Santos, que é uma das pouquíssimas outras coisas que consigo pensar que estão aí há tanto tempo quanto Chaves e Chapolim (desde que eu nasci, ao menos), vamos a ele. Todo mundo assistiu Portas da Esperança em algum domingo de tédio, por exemplo. Talvez morrendo de pena (ou rindo da cara: afinal, crianças somos maldosas) daquele senhorzinho humilde fazendo cara de bosta porque, atrás das portas, não havia a tal máquina de lavar roupas novinha que ele precisava muito mas não tinha dinheiro para comprar. E morrendo de culpa (ou rindo do perigo) da prova de matemática na segunda-feira para a qual você deveria estar estudando, claro. Mas vejam: qual é o grau de empatia que uma pessoa nascida em 1979 poderia ter por um tema tão adulto quanto: não tenho DINHEIRO para comprar uma MÁQUINA DE LAVAR ROUPAS. Nem se a sua família teve esta dificuldade durante a sua infância você é realmente empático a uma situação dessas.

O que estou querendo dizer é que Chaves e Chapolim são seriados para crianças e não algo adulto com que convivemos desde a infância. Isso o Silvio Santos não é! Não sei que outra coisa infantil permaneceu em nossas vidas desta maneira, absolutamente intocada por todo este tempo: a Xuxa tentou fazer programas para jovens adultos, o Sergio Malandro fez programa de pegadinhas, a Mara Maravilha (a Playboy da minha infância, desculpa se parece mau gosto) virou cantora gospel e a Globo desistiu do He-Man, Transformers ou a Caverna do Dragão nos escombros da pouca programação infantil que ainda aparece por ali. Mas Chaves e Chapolim continuaram sempre ali do mesmo jeito: nós crescemos assistindo-os de vez em quando ou, pelo menos, convivendo com eles em conversas recheadas de piadinhas e referências a coisas que aconteciam em seus episódios (repito: até para quem nunca achou graça). Nossos corpos se transformaram e se encheram de espinhas: ficamos horríveis e, em algum momento, voltamos a ser lindos (ou o contrário). Trocamos brinquedos por hobbies como esportes ou, no meu caso, música pesada. Aprendemos a nos apaixonar, quebrar a cara com a falta de correspondência no amor, ficamos deprimidos com isto e um dia também aprendemos que ninguém morre por causa destas coisas e passamos a lidar mais ou menos bem com este tipo de frustração (algumas vezes nós até retomamos estes mesmos amores de formas renovadas). Fomos à faculdade, enrolamos os professores fingindo saber o que não sabíamos, conseguimos um estágio legal, outro estágio que era ruim, nos formamos com algum mérito e ingressamos no mercado de trabalho. Muitos já temos algum bem em nossos nomes e não moramos mais com nossos pais: nos tornamos tão adultos quanto jamais achávamos que seríamos capazes um dia. Chaves e Chapolim fazem a gente pensar em quem fomos antes de tudo isso, aquela pessoa que gastou muito mais tempo e energia pensando no quanto deve ser legal voar em um aerolito no espaço em detrimento ao pensamento de que você precisa mas não tem dinheiro para comprar uma máquina de lavar roupas (até se você teve uma infância com necessidades, era nos aerolitos que você pensava).

O seriado continuará sendo reprisado por muito tempo. Ou pelo menos agora de manhã, enquanto tomava meu café, ele estava lá. Mas a morte de Bolaños, em quem pensamos sempre com a mesma quantidade de rugas que Chaves e Chapolim tinham quando foram gravados, mexe um pouco com a sensação de imortalidade que estes seriados nos trazem. A imortalidade infantil mesmo, aquela energia que a gente sempre gosta de lembrar que já teve e que até eu que sempre falo sobre o quanto gosto mais de ser adulto do que gostava de ser criança consigo sentir saudade de vez em quando. Não gosto muito de certo drama que existe em tudo o que se expressa neste tipo de momento, mas acho que é fato que todo mundo sentiu que alguma coisinha dentro da gente morreu junto com ele (já disse que isso vale goste você ou não de Chaves e Chapolim?).


1 Comentário so far
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Ê guri… que baita texto!

Comentário por Marcelo Spacachieri Masili




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